terça-feira, 26 de novembro de 2013

"A MULHER DA VIDA... FÁCIL?"

Conto 
Por Rogério Ribeiro







Conta a história, que a tal, a mulherzinha de vida fácil, andava aterrorizada, como o resto da cidade, à espera do ataque do exercito inimigo.

Seu nome?  Bom... Não lhe permitiriam facilmente a dignidade ou mesmo, um bom nome... Quase nada...  Naquele tempo ou, quase certo hoje, também não.

Porem, seu nome, com honras e tudo o que me permite sua breve história, lhe permito logo de entrada: Raabe.

Então, a gentil prostituta Raabe, depois de alguns clientes, mesmo na difícil pré-guerra, voltava a sua casa com as dores que nenhum dos que a usavam, ou a grande soma dos que a condenavam, seria capaz de suportar...

Voltava para se lavar do que não sairia tão fácil de seu semblante... Mesmo que saísse, o povo, família e vizinhos a lembrariam...  

Escreveriam se não dessem ouvidos, que, ela, a moradora da casa no alto muro, a mulherzinha que não tinha os pés em casa, era a mulher da vida fácil. Continuando simplesmente e sem descanso, a não lhe permitirem nada...  Nada.

O nada era a sua condição; Ele mesmo a havia enxertado de mais nada, em volta de seus sentimentos, por dentro e por fora.  O nada, espaçoso, fizera nada mais do que costumava fazer até então: Corroía-a toda, para que tivesse mais espaço para... O nada.

Do lado de fora, entretanto, distantes, esperavam os que ela guardava no fundo de seu peito... Lá, no lugarzinho em que escondidos, ficariam protegidos das línguas que insistiam em leva-la ao nada e de sua terrível culpa; lá, ela os protegia.

Sua família, além dos que amavam, estava lá. Todos a quem amava, também.

E repetiam: “Esta, não ama!” Diziam todos... ou quase.

Não diziam mais os homens – não em sua fronte - porque estes esperavam e queriam seus favores; Era um favor... O dinheiro, ao fim da labuta era a gorjeta de feições tristes.

Tal como todas, até e depois de Gení, ela seria usada e revirada a vida toda; de todas as formas e maneiras.


Choca-lhe, dizer que além de ter a dignidade arrancada pelos que, além das roupas, limpavam-lhe o orgulho, ela, a “não amada”, ainda era ameaçada?

Creio que não... Isso não nos choca!  Nem em eras remotas...


Em choque, entretanto, conta-nos a história, que ela, por ainda chocar-se, recebeu uns soldados do exercito inimigo que naquela noite invadiram sua cidade. 

Enviados a saber das “brechas” e pontos fracos da mesma, souberam também, de seu ponto mais fraco; seu coração.

Ironia. Perseguidos por toda a cidade, esconderam-se, logo na casa que não era a residência privada de ninguém... Conhecida também como: A casa do nada...  

Ninguém deixava que fosse. Era a casa da tal mulher de vida fácil.  “Dificultemos-lhe a vida!”


“Todo o povo teme seu exercito... Nas leis injustas e no descaso da minha terra, quisera eu, fossem tuas, as ordens... Chegou antes de todo o medo, a boa fama que conservam... Bem distante desta. Por isso, deixe-me viva quando a invadirem. Sairão em paz, daqui....”


Os homens que pararam para ouvi-la, por dever a ela a vida, deram sua palavra:


“Quando invadirmos e tomarmos a cidade, serás poupada”.


Deu a ela um cordão vermelho e com ele um acordo:


“...Prenda-o na janela, à vista... Saberemos e nos lembraremos de nosso acordo. Tu e todos que ama, serão poupados.”



O cordão foi colocado à vista, o acordo lembrado... Ela e sua família, poupados.

No terrível massacre, jovens, muitos... mulheres e todos os homens foram mortos.  A cidade, tomada.


Preservada por um povo que não a admitiria jamais, ela foi amparada, fazendo descendência à sua família...


Ironicamente, na noite fria do acampamento, estava ela guardada e livre de toda a lembrança anterior ao dia em que, um acordo foi feito e, um cordão dependurado...

Antes, na nebulosa memória de dias de desgraça, algo ainda era o mesmo de quando despedaçado; fortalecido, agora vivia... Descansado.


Não fora o acordo, nem mesmo o cordão; o que a tirara da guerra...

Fora o seu e, somente seu, o mesmo de antes, humilhado coração.






Rogério Ribeiro.




terça-feira, 6 de agosto de 2013

SÁBIO E CEGO.

Conto
por Rogério Ribeiro












A poeira fina começava a incomodar em meio ao vento incomum, naquele dia.

O caminho por entre a região árida, no entanto, era menos pesado do que o que trazia em seu peito...  

A dor que antes era o ódio mortal lhe sobrecarregava os ombros, mas era ignorada e incrivelmente sustentada pela vontade veemente e incessante de tirar a vida de quem era, para ele, os que tiravam a vida em sua maior forma. 

A vida havia lhe tornado sabedor de tudo e de muito mais...  
As ideias o haviam posto em destaque, bem no meio dos que dominavam o saber e entre os que não se atreviam a deixar que outros se atrevessem a questioná-los; eram sabedores profundos...  Prosélitos,  o tornaram próximo.

Procurava aplacar a fúria que alimentava; sem ela, deveria se ater, contendo-se às respostas que não queira em seus ouvidos.

De posse de sua vontade e das cartas que transferiam a ele, o poder de perseguir os contrários, montou o cavalo que não suportaria o tal tormento e foi-se.


Cercado pelos que os serviam, ele estava a caminho da morte de suas contrariedades, pensava.
À sós; ele e a conhecida e extenuante vontade e conhecimento. 
Seriam finalmente exterminados por sua mão, os que não foram aplacados; O peso que poderia leva-lo ao chão seria retirado. Já não mais importava o meio de todas as questões, mas onde havia chegado o volume de sua própria e imunda justiça...  
Certo estava de que, insatisfeito, não voltaria.


A fina camada de poeira em suas roupas aumentava; O vento inquieto e forte não o ameaçava na tarde quente daquele último dia de trevas, em tão grande e quase fulminante sol, mas tomou à força, sua atenção do coração que se tornara seu senhor.

O astro maior quase lhe cegava a visão quando tentava olhar as nuvens que julgava permanecerem no céu após o vento. Ele e seus homens, não conheciam quente como aquele, longe dos desertos conhecidos.

Então, a grande tempestade de areia começou em volta; Por cima e baixo, levando-o a tentar ver o que se passava na direção ainda permitida, se houvera.

O Astro maior que o Sol havia descido até ele e, por um milésimo de instante, ele pensou ser o próprio sol que, agora, colidia com seus olhos, queimando-lhe a visão.

A luz intensa e branca pôs fim à ela, queimando-lhe  as pálpebras que, até àquele dia, haviam resistido à maior verdade.

Por entre a pele da cortina visual retorcida, sua visão se espremeu um pouco mais para ver o dia e se ainda o era, lá fora.


Branco.

Assustadoramente branco, era tudo em redor além de um brilho ultra solar que somente lhe derretia as pálpebras. 

Além da luz intensa, a voz era a única presente na visão e mente:

“Porque queres por fim a Verdade?...”  Perguntou.


Mudo.

Não ousava pronunciar ou pensar. Os que o acompanhavam, estavam em qualquer outro lugar, menos em seus pensamentos.


A Luz inimaginável deixou nele a ideia e a imagem do Branco luminoso e insustentável.
Envolvendo-o todo com a atmosfera de temor, qual havia esquecido, a visão da intensa claridade deixou-o chocado; inerte.

Diante do boquiaberto,  a Verdade o instruiu a se levantar e a entrar na cidade.

Ele se levantou e, com a ajuda e amparo dados a uma criança, foi... Cego, levado ao seu cavalo e conduzidos; ele e o animal ao lugarejo.

Hospedou-se.  Nada além do branco, era suposto ou até imaginado pelo cego que o era, desde muito. O diálogo com a fusão de cores, pesada à vista de qualquer mortal, era ainda mais pesada do que o fardo que trazia, desde as ofensas à sua sabedoria.  Seria ela agora a assombrá-lo?

Nos dias em que ficou com os olhos tapados pela densa camada de pele queimada e poeira encrostadas, o pensamento em palavras dizia e não era tão ensurdecedor quanto o silencio pacifico.    A sabedoria por detrás das portas de nuvens espeças em sua imaginação, sairia, a qualquer tempo, na imagem clara de sua visão limitada ao branco.  O alimento não encontrava espaço; nem água molhou sua boca e garganta.  Só o silencio, como o ar, entrava e saia de seu corpo; e nele, a verdade, como antes; a substancia pura e sem mácula que o havia feito dantes, verdadeiro sabedor.

Era como se o tempo fora dele, houvesse parado.

Circulando distantes, ao derredor de seu corpo fraco e sedado humilde, as mortes consentidas à assassinatos; as culpas e erros, a dor que só não o abatia, por circundá-lo a distancia.

Os pensamentos que naqueles três dias o faziam parar, eram apenas o começo íngreme do que deveria seguir.  
O pensar em voltar pelo caminho a reparar o irreparável, não era possível como também não seria, retornar a areia ao seu deserto. 
A autoridade implacável e temida, era agora o mais vazio dos vasos de poder. 

As pálpebras duras e entumecidas pela velha pele, caíram como escamas de pele e pó... Com elas, a brancura plácida e certezas que não serviam a ninguém...


Principalmente, a ele...


Ele voltara a ver.
  







sexta-feira, 12 de julho de 2013

AS PALAVRAS

Crônica
Por Rogério Ribeiro







Na noite fria de um inverno incômodo, ela chegou dos afazeres diários, à sua amável casa e a si mesma.



O que se permitira nas manhãs daqueles últimos meses era o contar das histórias que faziam nela a ideia de dias de protagonista, onde, do lado de fora, seria a mais feliz na aventura que contava.


E o dia seguia...



Nela, os encantos pelas vozes diversas que saiam de sua garganta, faziam brotar o que em seu intimo havia sido plantado e que ninguém e nem ela mesma, sabia.



Era comum durante o dia, quando ressurgiam e reverberavam em sua mente e corpo as palavras daquelas manhãs, a lembrança lhe tomar a vista e já não mais saber ela, a hora de descer do ônibus, ou sair das compras...

As histórias haviam lhe tomado, enquanto as personas; varias, diversas e por muitas vezes desconhecidas, ainda lhe acompanhavam até nas noites em que não dormia só...

Adoráveis, esses personagens febris que discutiam com ela noite adentro... 
Não se importavam em dormir ou não... nem ela.

Dia após dia, as palavras haviam lhe trazido um mundo tão intenso, que lhe faltava o ar por entre as vírgulas... As paradas do veiculo tremulante; bruscas, no transito sombrio, fora das páginas do livro em suas mãos, não lhe tirava a ideia:

“Esta noite, me darei a elas mais do que poderia me dar a algum humano; Dar-me-ei, entre paginas e folhas, entre livros e a pena...  Que seja eu entregue às minhas palavras, sejam elas, acidas, cheias de sarcasmo e ironia, ou engraçadas e gaiatas...  Se forem, pausadas pela emoção, ou agitadas por meu rubor intenso, não me importa...  O siso me diz que devo brincar às vezes... A artista tímida que retém o medo, deverá em mim, por minhas palavras, permitir-me a ingenuidade moleca dos fins de aula... Séria, serena e sem regras, serei a  escritora de minhas histórias ....”


 Na noite fria de um inverno de ideias ao seu redor, ela, alegre, preparava  a “pena”, o bloco, e a poltrona, enquanto aquecia o leite e sorvia o chocolate na caneca companheira...

Recostando-se,  ela já estava pronta; com tudo à mão...


As ideias? 
As ideias sairiam todas; da mente, do peito... Até do estomago aquecido... 
Todas elas, certeiras, sairiam... 
Todos os dias... Dos movimentos faceiros de suas mãos.  
 




 
Atendendo ao pedido de um, mais que querido professor, esta crônica foi feita em homenagem às mulheres contadoras, que contam as histórias de outros, enquanto contam de si, em todas elas...

A elas, que sejam além de escritoras, contadoras, para um mundo sem conta de sua beleza.  




Rogério Ribeiro.



quinta-feira, 4 de julho de 2013

ENTRE TANTOS

Conto 
por Rogério Ribeiro









Em um pequeno país já inexistente, um homem vivia e revivia os direitos, deveres e até, os rumores de que falavam tanto, as pessoas que com ele dividiam a vida na também pequena cidade adorável, feita com esmero pelas mãos hábeis e certeiras do Rei daquelas terras.

No entanto, a aprazível cidade fora tomada por ladrões que se faziam de conquistadores de intentos ao humilde povo.

Já não era a mesma, a doce cidade cujo o pobre homem vivera desde a mais tenra idade.

Pobre, porque apesar do conceito e crença dos que coabitavam com ele em seu tempo, ele se enfadava em sofrer a ideia de que era completo; sandices e dejetos, por assim dizer, eram o que na verdade, saiam de suas gargantas.

Eles não sabiam certamente, quem  era e o que era, o homem que para si mesmo, era o homem pobre, que lhes conto.

Entre tantos outros, de formas e feitos diversos e muito além do que conseguiria pensar em querer ser, estava ele, vivendo feliz por onde podia e até queria, apesar de não querer muito, porque não poderia ir muito além.  

Não era tão completo.  Não era tão, o que diziam que era.

Mesmo assim, deixava com que acreditassem, ser ele, o produto que finalizaram em sua vã compreensão.

A cidade, cercada por aspirantes a hábeis ladrões perversos, rendeu-se; Tomaram-na e fizeram nela o que quiseram enquanto não chegava ainda aos ouvidos do soberano Rei, que uma de suas amadas cidades corria perigo.

Imediatamente, quando ouviu, o Rei deu ordens aos seus, que não fossem poupados, nenhum dos que se atreviam tentar roubar o que lhes era devido; a paz de buscarem além do que queriam, o que mereciam ter.

Em direção à terra amada, soldados armados e revigorados, seguiam em tropas, rumo à retirada dos que a importunavam. O Rei que ia à frente de todo o exército, pronto a restabelecer o curso da vida que tanto preservara,  estava certo de que o direito de seus súditos, seria retomado.  

Na terra confusa por roubos diversos ao povo e a seus sonhos, o homem pensava que seria impossível agora, reaver o detalhe que morava discreto em sua vida; eram saqueados dos viventes daquela terra, os bens adquiridos, enquanto os conquistadores falavam de suas  inversas conquistas na entrada da cidade. Extasiada, a multidão se entregara e  absorta, parava para vê-los em seus falsos atos... Haviam se  despercebido de que eram ladrões.

Com olhos arregalados, viam como a um espetáculo, as falas dos falsários enquanto suas casas eram subtraídas e mulheres, crianças e indefesos, eram levados.

O homem, estacionado entre a fala e o pensamento, via e só faltava desfazer-se para não ser e não mais ver o que se passava na terra perdida.

O povo, preso pelos olhos aos artefatos ilusórios, que os ladrões, lançavam aos céus, não mais se incomodava  quando via  sair pelas ruelas, os seus comparsas levando embora todo o seu trabalho e futuro.

Quando pode voltar a si, o homem concluiu em seu estado que estava perdida a ideia de que seria completo entre tantos outros incompletos e que nem se davam conta. 

Por que, diante de tanta e complexa dúvida, se atreveriam a viver ainda, os que não confrontavam os abutres que aviam pousado por  lá e que aos poucos, arrancariam-lhes tudo?

Ele não sabia... 

E, por não saber, parou para contemplar com atenção o restante do ocaso da cidade feliz. 

Ele não era mais, o mais importante...  Nem para si.

Diante de seu corpo estático, era morto um dos poucos que lutavam e que ainda se davam o espaço para se preocupar com ele e sua incompletude... Foi morto ali, enquanto a multidão, mais adiante, festejava o engodo do qual nunca sentira falta, até então.

Então, ele saiu por entre a multidão, carregando as dores que pareciam ser a de todos os que se inebriavam pela luxúria que pouco conheciam.  Andou; na esperança de não mais vê-la, exposta em seus rostos sorridentes de olhos cegos. 
Não os veria quando deixasse a cidade.

Ao sair pelos grandes portões, ninguém o viu a não ser o Rei que vinha pelo caminho.

Ao ver o homem, mandou que parassem o carro, enquanto o comandante seguiu adiante com a tropa, em busca da cidade e sua nobreza perdida.  

O homem ali,  perplexo diante do que vira disse ao Rei:

- Majestade, alguns... Foram mortos... TODOS...foram saqueados!  De todas as formas... Todos! 

 - Você se restabelecerá... E não se lembrará, mais deste dia...  Respondeu o Rei olhando fixamente nos olhos do homem exausto.

Abaixando a cabeça, o homem respondeu com lágrimas:

- O único amigo...  O único... Foi morto... Diante dos meus olhos! O que ainda se importava,... Foi ceifado... Agora, não tenho mais quem se importe!

O Rei então, levantando o rosto do pobre homem, respondeu:  

- Filho;  Eu sou o seu Rei... Se não amasse o meu povo não haveriam exércitos para defendê-lo, ou esta cidade que construí... Quem ama a um país inteiro, pode muito, cuidar de um só homem...  

... Eu sou o seu Rei!






sábado, 29 de junho de 2013

JANELAS CANSADAS

Conto
por Rogério Ribeiro










As horas passavam rapidamente no relógio da estante que guardava a bolsa que, menos impaciente, esperava.

A última vez que olhara, eram 3:10 da tarde, de um dia de muito calor.

Todos os dias ela saia quase que na mesma hora, em busca do que perdera nos últimos 14 anos de sua ainda jovem vida. 
Saía também, em busca do que não havia encontrado na tarde do dia anterior.

Ela olhou para a bolsa e jogou para o objeto de companhia,   a responsabilidade de tirá-la de casa mais uma vez, para o nada.  Levantou-se, pegou a bolsa e saiu.

Na rua, os homens que a acompanhavam com olhares cobiçosos e desinteressados, a seguiam na mesma calçada que levava a todos, para um destino de muitas bifurcações.

Ela não tinha um nome. 
Se alguém a chamasse ela não se identificaria. O que a identificava, nos poucos documentos que moravam incólumes na mesma bolsa que a acompanhava todos os dias, haviam perdido o sentido, a função e se perdido da lembrança da jovem mulher que os portava.

Não era tratada pelo nome; os nomes que lhe davam, eram os que saciavam as vontades de que ela fosse o objeto de seus desejos.  Homens e mulheres, os escolhiam.

Refém de sua busca, ela já não existia em meio à multidão.  
Há muitos anos se esquecera do que era a sua composição... 
Desfragmentada, já deveria compor o cenário do chão das ruas pelas quais passava todos os dias.  Sabia disso.

Antes, no percurso de todas as tardes; antes de ir para o Pub onde trabalhava, ela olhava o céu, o chão repleto de si nas ruas por onde passava, os prédios e os grandes letreiros que lhe chamavam a atenção para uma possível vida futura onde talvez, teria toda a felicidade dos anúncios.

No tempo em que se permitia esse vislumbrar de sonhos impossíveis, ela percorria o caminho sem trilha sonora.  Apenas, as palavras que faziam seu peito desabafar a dor, ao caminhar dos pés que em seus passos, se faziam notar mais que as palavras incessantes:

Quando terei?  E até quando?  Sem dar ouvidos aos gritos, seus pés a levavam.    A caminhada seguia.

Cansada.

Mais tarde, os pés que haviam percorrido todo o percurso da casa que não lhe pertencia, até o trabalho e mais alguns quilômetros dentro do balcão do Pub, sentiam todo o peso do dia que insuportavelmente, era menor que o seu. 
Ela então se despedia de toda a lembrança da noite e também dos que nunca a acompanhavam... Era estranho, mas até as colegas de um trabalho indesejável não eram cúmplices do cansaço de tantas outras.

Ela mais uma vez, longe do bando, dirigiu-se, às mesmas ruas lembrantes, às compras, num super mercado que permanecia aberto nas vinte e quatro horas do dia e que vendia sonhos, além de alimentos.   Pelo menos para ela.

Ao encher o cesto de garrafas de água, um homem que a observava quieto por entre as gôndolas, se aproximou e num olhar próximo do que ela sonhara por noites infindas, disse sem preocupar-se com ela e o resto:

- Me dê um pouco dessa sua água?

O homem que aparentava não precisar dela, nem ao menos do líquido daquele pedido esperava a resposta de seus profundos olhos, mas com a boca ela respondeu:

- Você não parece nem um pouco, precisar de um copo... Pode comprar a sua.

O homem que continuava a olha-la, respondeu num tom suave e pouco usual para aquele momento.

-Se me pedisse, eu daria... Daria mais, até... Bastava admitir que também precisava dela...

Entendendo que se tratava de um cliente inoportuno para ela, pediu licença indo para outra direção, longe do homem...

Em seus olhos, ainda  a imagem do homem ficaria guardada pelas noites de mente atenta; inumeradas, elas teriam algo que as tirassem o velho assunto.  Por isso, voltou:

- Você é algum louco? Por acaso é algum lunático que tem respostas para mim e a humanidade a partir de um pouco de água?

Calmo, sem se aproximar, O homem impossível de ser vislumbrado até por ela, fitou calmamente os olhos cansados da cliente de águas, de todas as noites do super mercado.

Sem sua permissão, aqueles olhos haviam falado com a honestidade que lhes eram comuns, o que sobejava na alma da mulher andarilha, ao homem que mesmo sem a ajuda deles, enxergaria o que vira.

Ele não respondeu. Continuou a fitá-la...

Ela, impaciente recuou e tentou sair novamente.  Mesmo querendo saber por que aquele homem não a olhava da mesma forma que os demais.

E perguntou; Com os olhos, mais que com palavras; Quais eram as intenções dele; Já que não mais importava quem ele era.

Ele respondeu que sabia que ela não tinha motivos pra se apressar, não havia quem a esperasse, ou que desejasse vê-la na casa que nem sua, era...

Disse sem cerimônias que ela era o blefe que não enxergava.

Disse que deveria parar e, por ali, dar a si mesma, o que tanto queria e que agora ele lhe pedia.

Porque comprava águas? Agora ela se perguntava.


E não lhe deu a água que lhe molharia a garganta; antes, retirou-se do local deixando o homem; e foi para a rua, a pensar no que molharia a sua vida cansada, vista na visível janela de sua alma.





sábado, 22 de junho de 2013

Os "CARAS LAVADAS"

por Rogério Ribeiro

















Os acontecimentos das últimas semanas, eram previstos por todos; Inclusive, pelos que não os queriam.


O Brasil não acordou.

Meio cambaleantes, acordaram os que dormiam, porque muitos gritavam diariamente nos ouvidos dos que ainda andava sonolentos e anestesiados por sonhos e pela falta deles. 

Se levantaram unidos.  Todos; até os que não queriam se levantar... Muito barulho pra qualquer um continuar o sono.

No meio do Brasil, apesar da fala fazer parecer que estão de fora, alguns dizem com vulgaridade, dos representantes que se manifestam pelas ruas, que são vândalos ou baderneiros e que existe um grupo - o maior -,  que “detém a paz” nas ruas.

Não detém.  Nem poderiam.  Apenas se controlam.

Tentar parar ou controlar qualquer manifestação como esta, de um Brasil saturado e sem direção?

Nem chance.



Saber onde tudo isso pode dar?
Já deu.


Deu em a grande parte dos que falavam mal, se colocar numa posição de pelo menos, análise dos fatos, ao invés de uma fala preconceituosa.

Deu nos políticos, que ainda pensam trafegar em outro tempo, manterem a pose de controle, enquanto maquinam e seguram o que podem; Enquanto manipulam o povo que saiu da cama, mas não jogou uma água fria no rosto.

Deu na dor de ver, a inocência romântica dos que entregam flores e o "vomitar" revoltoso dos que não se aguentam por andarem órfãos  no meio da manifestação que ainda, segue seu rumo, sem rumo.

Deu na revolta de tudo isso;  A mesma que não deixa o travesseiro da "Presidenta" dormir;  Ela, no entanto, insiste. 

Deu na revolução que trazemos nas mãos;  Deu que sabemos bem pouco e por conta própria.

Ninguém nos ensinou.   Tarefa difícil.

Um reforço entretanto,  é dado por quem analisa e, de bom grado, reforça as ideias de justiça e os alertas, para quem pouco se acostumou a ver a sua história com a delicadeza de quem vê, critica e julga, diante de  parâmetros e bases;  Não de paixões.

As paixões nos impulsionam.  Não nos sustentam.

Deu nelas e permaneceremos nelas...  Até lavarmos o rosto.

Deu ainda, na manipulação da mídia que ignorando o seu povo, pensa apenas, em converter o sistema televisivo, em rede social, se o povo se mantiver acordado.


A despeito de tudo o que vem dando na nossa cabeça,  podemos mudar “o jogo” de quem maldosamente, iniciou os “tumultos”, antes destes tomarem as ruas,  e dos que tentam tirar proveito deles.

Podemos mudar!   Além disso,  há um Deus no Céu...  

Não, não falo de religião.  Nem falo de fé apenas, aos de esquerda,  muito menos, de agrados e mimos, aos de direita...

Falo da justiça, que sustenta de pé, a ambos (Acredite, ou não).

Este sentimento que deu em você e te leva a percorrer as ruas, é o que eu falo a “gregos” e a “troianos”.


Sem fé, você não chega nem à próxima esquina...

(Coisas entre você e sua cabeça, não é?    Pois é).



Por falar nisso... A sua cabeça?   Ela está aí, ainda?   

Ok. 

Então, pense no que vai ser, porque no que deu, você só precisa lavar o rosto pra enxergar.  Sono pesado...

Pense no que vai ser, pra não virar “massinha colorida”; para não ser modelado e manobrado segundo a “manobra” dos que brincam;

Eles não estão pra brincadeiras.


Pense em tudo o que puder e mais um pouco. 

Guarde tudo o que puder e mais ainda.

Ninguém disse que iria ser fácil.  Mas você não foi chamado para um “carnaval”, convenhamos.

E, se me permite: As flores... 

Elas não intimidarão a policia.  Nunca intimidaram...
Nem nos filmes. 
Só comoveram os feeds  do Facebook...  Alguns, creio.


Porém, se você  ainda não está certo disso, não se ofenda. 
Mas espere o fim da Copa, ou outro evento, pra você extravasar este equivoco que circula pelas manifestações.

Já bastam os infiltrados e os não, “tratados” 
(de dentro e de fora das manifestações).

Independente das vontades de apenas uma classe, lembre-se de que estamos num país;

O que vale, é a vontade de todos, nós.  

Os verdadeiros donos.


Sou dos que acreditam que há duas formas de mudar a história:

Uma delas, é trabalhando arduamente em silencio ou não, enquanto muitos, sem propriedade e trabalho, "gritam" e criticam, favor do que pensam pouco, para mudar.

A outra,  é a pressão justa a quem pode mudar.


Continue a fazer a segunda, sem se esquecer da primeira.  


De rosto lavado, eu prometo fazer as duas.